Adeus Kobe. E obrigado!

Kobe Bryant: parte o homem, permanece a lenda/Foto: Divulgação-LA Lakers

Era mais ou menos 16h30 de domingo, 26 de janeiro de 2020. Dia ensolarado por aqui. Pela TV, acompanho o jogo entre Palmeiras e São Paulo, válido pela segunda rodada do Campeonato Paulista. Primeiro clássico do ano para o meu Verdão, o Choque-Rei não está lá muito animado. Disputado na cidade de Araraquara, sob um calor considerável e após cerca de 20 dias de trabalho, não poderia ser diferente. E como de costume, quando assisto aos jogos pela TV, estou com o celular na mão, acompanhando os comentários via Twitter. Eis que aparece a bomba.


Uma sensação total de incredulidade toma conta de mim. Kobe Bryant morre em um acidente de helicóptero? Como assim? Não pode ser!

Em uma era onde as 'fake news' são cada vez mais constantes, minha primeira reação, após o choque inicial, foi tentar conferir a veracidade das informações. A esperança era de que tivéssemos caído em uma brincadeira de muito mau gosto de um perfil fake do site TMZ. Infelizmente não era. A notícia era oriunda, realmente, do perfil oficial do site no Twitter. E em questão de notícias sobre celebridades, o TMZ é uma fonte extremamente confiável.

Porém, a esperança de que aquela notícia não fosse verdadeira persistiu por mais alguns momentos. Embora o TMZ seja um site sério, algum hacker poderia tê-lo invadido e postado uma notícia falsa apenas para fazer piada. O fato de muitos perfis reportarem de que o portal tinha caído reforçou um pouco essa tese. Contudo, logo começaram a surgir relatos de órgãos oficiais e de outros veículos da imprensa atestando a queda de um helicóptero em Calabasas - cidade localizada no condado de Los Angeles. Não havia sobreviventes. Pouco depois, veio a confirmação de que Kobe Bean Bryant, um dos maiores jogadores de basquete em todos os tempos, era um dos passageiros do voo.

Daquele momento em diante, meu dia acabou. Mal prestei atenção ao seguimento do Choque-Rei. Tampouco a qualquer outro evento. Fiquei sintonizado no Twitter e em sites esportivos acompanhando as homenagens feitas ao "Black Mamba" e o clima de consternação geral, enquanto esperava novas informações sobre o trágico acidente pelo resto do domingo. E as notícias não foram as melhores. Primeiro porque não eram cinco as vítimas do acidente, como informado inicialmente. No total, eram nove os mortos. Depois, veio a confirmação de que uma das passageiras era Gianna Maria-Onore Bryant, de 13 anos, filha de Kobe. E por fim, veio o contexto do voo: Kobe, Gianna e os outros passageiros estavam a caminho da Mamba Sports Academy, localizada em Thousand Oaks. Esse era o centro esportivo criado por Bryant e onde sua filha jogava. O ex-atleta era o técnico do time.

Entre os outros sete mortos estavam o piloto, Aran Zobayan; o técnico de baseball John Altobelli, que acompanhava sua filha, Alyssa Altobelli, companheira de Gianna na equipe, e sua esposa Keri Altobelli; a estudante Payton Chester, que provavelmente fazia parte do time, e sua mãe Sarah Chester; e a treinadora de basquete Christina Mauser.

Uma perda terrível, irreparável e que entristece até mesmo quem não é fã de basquete ou de esporte, pois foi-se ainda jovem não apenas um dos maiores jogadores basquete da história e um ídolo de muitas pessoas. Partiu um pai, marido, filho, irmão, amigo que fará falta para uma imensidão de pessoas, além é claro das outras vidas perdidas, tão importantes para seus entes queridos.

"O Michael Jordan de quem não viu Michael Jordan"


O subtítulo acima é uma aspa do que disse, perfeitamente, o jornalista André Kfouri. Kobe Bryant foi o Michael Jordan de quem não pôde ver Michael Jordan em quadra. E isso sintetiza bem o que o ex-jogador do Los Angeles Lakers representou para o basquete e sua dimensão no mundo dos esportes. E aqui conto um causo pessoal que, para mim, atesta essa afirmação.

Felizmente, tive o privilégio de ver Michael Jordan em quadra, mesmo que na parte final de sua carreira. No fim da década de 1990, as transmissões da NBA na TV Bandeirantes proporcionaram que muitas pessoas tivessem contato com o melhor basquete do mundo e se apaixonassem pela modalidade. E comigo, uma criança de nove, dez anos de idade na época, não foi diferente. Não apenas passei a torcer pelo Chicago Bulls como "queria ser como o Mike", da mesma forma que dizia o slogan de um antigo comercial da Gatorade. Tanto é que, até meu pai comprar e instalar uma tabela de basquete no quintal de casa, eu vivia pegando sacos plásticos - que meus pais compravam para colocar nas lixeiras - para pendurá-los nos varais de casa e emular a minha versão do GOAT. Passava horas, depois de voltar da escola, arremessando bolas naquela "cesta" improvisada, treinando dribles e bancando o astro da NBA.

Alguns anos depois, pude ver Kobe tendo o mesmo tipo de influência que Jordan neste sentido. Procurando emular o maior jogador de basquete de todos os tempos e demonstrando dedicação total ao esporte, Bryant não somente foi um dos jogadores mais vencedores da história da NBA (são cinco títulos, dois troféus de MVP das Finais e um troféu de MVP da temporada regular) como foi o maior astro de sua geração, sendo o espelho para muitos dos meus contemporâneos que, diferente de mim, só passaram a se interessar por basquete já na adolescência, quando a TV aberta brasileira voltou a transmitir a Liga Americana de Basquete, no meio dos anos 2000.

Kobe e Gianna: pai e filha dividiam amor pelo basquete/Foto: ZUMA-MGN

Lembro muito bem de um período em que eu e vários colegas de escola e de bairro abandonamos o futsal para passar a jogar basquete no meio da rua, após o pai de um deles construir uma estrutura, composta de uma tabela presa a uma viga, que afixávamos em um buraco na rua da escola onde estudávamos. Isso quando não jogávamos na quadra da própria escola durante as aulas de educação física, nos intervalos das aulas ou aos fins de semana.

Além disso, havia os debates sobre os jogos que assistíamos, muitos deles do Lakers de Kobe. Nem todos o tinham como jogador predileto, mas ele sempre foi unanimidade como o grande craque da NBA para nós. Hoje, lembro disso com nostalgia e até certa surpresa, pois o país do futebol, onde dois chinelos servem de trave e uma bola vira a alegria da garotada em qualquer rua, o basquete teve seu momento de destaque.

Fora meu caso pessoal, é possível ver a influência de Kobe Bryant muito além do que às vezes percebemos. Basta ver que o Lakers está, quase sempre, liderando as listas de franquias com mais produtos comercializados, entre eles as 'jerseys' usadas pelos jogadores. E se você prestar atenção verá que boa parte das pessoas que compram camisas da franquia roxa e dourada envergam os números #8 ou #24 às costas, tamanha a admiração e idolatria que os fãs tiveram por ele durante sua carreira e ainda têm. E não é qualquer um que alcança este patamar.

Ações fora das quadras também contam muito para explicar o tamanho dele. No ano passado, Kobe ganhou um Oscar, premiação máxima do cinema, pelo curta-metragem em animação "Dear Basketball". A produção foi escrita e narrada por ele, sendo inspirada em um poema que o próprio astro escreveu quando do anúncio de sua aposentadoria, em 2015.

Entretanto, ele não passou a vida toda incólume a polêmicas. No âmbito profissional, Bryant teve alguns problemas dentro da franquia que defendeu durante toda a carreira, sendo acusado de egoísmo e de ter um ego muito inflado, o que tornava difícil a convivência com outras estrelas. Algo até normal em um esporte coletivo de alto rendimento. Já no campo pessoal, a pesada acusação de estrupo que ele enfrentou em 2003 - e da qual foi inocentado - é a pior mancha em sua imagem. Mesmo sendo uma lenda do esporte, ninguém é perfeito afinal...

Kobe e seu legado


Sempre tive muito apreço por Kobe Bryant, um dos meus jogadores favoritos na NBA. E tal admiração é compartilhada por milhões de fãs da modalidade, pois o Black Mamba reunia os predicados que todos aqueles que acompanham o esporte querem ver em um atleta: talento e determinação para alcançar seus objetivos. Isso fez dele um dos maiores da história e ajudou a tornar o basquete e a NBA ainda mais populares ao redor do mundo.

Aliás, a dedicação que ele sempre demonstrou, trabalhando duro para melhorar, e a vontade de se superar e de ser o melhor, talvez sejam seus seus maiores legados e exemplos para nós, que por aqui permanecemos. Legados e exemplos que ele vinha transmitindo à sua filha, Gianna, que não apenas herdou do pai o amor pela modalidade, mas também o talento. Segundo pessoas que acompanhavam o início de sua trajetória, ela parecia ter potencial para ser uma estrela do basquete feminino, possivelmente na WNBA. Pena que ela não teve tempo de realizar esse potencial e chegar a esse nível.

Por tudo o que representava, Kobe era amado em todo o mundo, mas especialmente em Los Angeles, cidade em que viveu metade de sua vida. E uma das coisas mais tocantes que li ontem, durante as homenagens feitas ao Mamba, está no tuíte abaixo.


Esse é o poder que Kobe Bean Bryant tinha. Com seus acertos e erros, ele deixa lições importantes. E terá seu nome sempre marcado na história do esporte, sobretudo na modalidade que amou e que ajudou a popularizar, e nos corações de milhões de pessoas.
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