Eita - A esta altura, você, caro leitor, já está mais do que careca de saber que o atual campeão mundial de Fórmula 1, Nico Rosberg, anunciou na última sexta-feira sua aposentadoria das pistas. E claro, assim como qualquer fã da categoria, você deve estar um tanto quanto surpreso ainda.
Fiquei sabendo que Rosberg deixaria a F-1 quando o jornalista Jon Noble publicou o tweet abaixo.
BREAKING NEWS: Nico Rosberg announces retirement from #F1. Full story soon— Jon Noble (@NobleF1) 2 de dezembro de 2016
Na hora, minha reação, como não poderia deixar de ser, foi de incredulidade. Afinal, o cara que ganha um título mundial, algo que ele mesmo afirma ter sido o grande objetivo de sua carreira, e se aposenta uma semana depois precisa ter um excelente motivo para tal. Mas, ao ler a declaração dada pelo próprio Nico, explicando a decisão, passei a tentar entender o que lhe motivou a seguir tal caminho no momento em que vive o apogeu na carreira. É isso o que tento fazer nas linhas abaixo. Uma reflexão sobre o tema.
Abaixo, segue a declaração de Rosberg, traduzida e retirada do site Grande Prêmio.
Em 25 anos no automobilismo, foi meu sonho, meu único, me tornar campeão mundial de F1. Através de trabalho duro, de dor, dos sacrifícios, sempre foi minha meta. E agora eu consegui. Subi minha montanha, estou no meu auge, me sinto bem. Minha emoção mais forte agora é agradecer a todos que me apoiaram por fazer esse sonho acontecer.
Esta temporada, digo a vocês, foi muito dura. Fiquei louco depois das decepções nos últimos dois anos, mas elas abasteceram minha motivação a níveis que eu nunca tinha experimentado. E é claro que tive um impacto naqueles que eu amo também: foi um esforço familiar completo de sacrifício, pondo tudo atrás do meu objetivo. Mal posso encontrar palavras para agradecer a minha esposa Vivian: ela tem sido incrível e entendeu que esse era o ano, nossa oportunidade de fazer isso, e abrir o espaço para eu me recuperar por completo entre cada corrida, olhando para nossa filha todas as noites, lidando quando as coisas ficaram difíceis e pondo nosso campeonato como prioridade.
Quando venci em Suzuka, do momento onde o destino do título estava em minhas próprias mãos, começou uma grande pressão e comecei a pensar sobre encerrar minha carreira no automobilismo se eu me tornasse campeão mundial. No domingo de manhã em Abu Dhabi, eu sabia que essa poderia ser minha última corrida, e esse sentimento abriu minha cabeça antes da largada. Queria aproveitar cada parte da experiência, sabendo que poderia ser a última... e então as luzes se apagaram, e eu tive as mais intensas 55 voltas de minha vida. Tomei a decisão na segunda-feira à noite. Depois de refletir por um dia, as primeiras pessoas com que falei foram Vivian e Georg [Nolte, empresário], e depois com Toto (Wolff).
A única coisa que faz essa decisão de qualquer forma difícil é porque eu coloquei minha família do automobilismo em uma situação difícil. Mas Toto entendeu. Ele sabia que eu tinha plena convicção e me tranquilizou. Minha conquista mais orgulhosa no automobilismo será sempre ter sido campeão com essa incrível equipe de pessoas, as Flechas Prateadas.
Agora estou aqui só curtindo o momento. Haverá tempo para saborear nas próximas semanas, para refletir sobre a temporada e para aproveitar cada experiência que virá em meu caminho. Depois, vou virar a próxima curva em minha vida e ver o que tem para mim...
Pelas declarações do piloto do carro #6, a decisão sobre sua aposentaria da F-1 não parece ter sido baseada em uma razão específica e sim um conjunto de fatores. E também não foi tomada de uma hora para outra. O alemão deve ter considerado essa opção nas últimas semanas até chegar ao veredito, na noite posterior à conquista. E por isso, respeito demais o que ele fez, pois não é qualquer um que tem a frieza de deixar de lado aquilo que ama fazer, ainda mais depois de alcançar aquilo que sonhava: ser campeão do mundo.
Entendo a decisão de Nico porque, como todos sabemos, a vida de um piloto não é nada fácil. Ter uma carreira de sucesso não depende apenas de boas condições financeiras ou de puro talento. É necessário muito desprendimento, desde criança. Geralmente, os aspirantes a futuras estrelas do esporte a motor precisam abdicar daquilo que poderíamos chamar de uma "vida normal" desde muito jovens. São treinamentos, competições e viagens, intercalados com os estudos. Então, não sobra muito tempo para outras coisas.
A medida que a idade avança e os futuros pilotos evoluem na carreira, as responsabilidades aumentam. Morar sozinho, se dedicar integralmente à profissão, fazer ainda mais viagens, buscar apoiadores e patrocinadores, tudo isso faz parte do pacote. Já no auge, quando chegam às categorias grandes, os compromissos se intensificam, com o surgimento de novas obrigações comerciais, com fãs, com a escuderia, enfim. E por mais que eles não tenham de cuidar de tudo isso sozinhos, essa não é nem de longe uma rotina leve, por mais que tenhamos outra impressão vendo de fora. O glamour que enxergamos como fãs é praticamente inexistente para quem está dentro deste cotidiano. Aliás, não são somente os pilotos que sofrem e precisam abdicar de uma vida normal. As pessoas próximas também precisam fazer o mesmo. E não é todo mundo que aceita.
Nico, como não poderia deixar de ser, passou por tudo isso e ainda que tenha tido condições melhores que outros pilotos, por ter um pai ex-piloto, além de possuir um bom aporte financeiro para se dedicar ao automobilismo, os sacrifícios que precisou fazer para chegar onde chegou não diminuem. São 25 anos de carreira, tendo de deixar a família, relacionamentos e vontades pessoais em um segundo ou até terceiro plano.
Só isso já seria motivo para ele alegar desgaste por viver em um ambiente como esse. Entretanto, ainda tem mais. Junte essa pesada e longa rotina a pressão por resultados. É exaustivo só de pensar.
Ter lugar em uma equipe grande como a Mercedes, cobra seu preço e Rosberg tinha que mostrar bons desempenhos. A pressão exercida pela escuderia é algo normal e todo piloto precisa conviver com ela. E neste quesito, Nico conseguiu corresponder, tanto que guiou por sete temporadas para a esquadra alemã. Ninguém fica tanto tempo assim em um lugar se não agradar, ainda mais em um ambiente imediatista como a Fórmula 1.
Ele fez parte da reestruturação da escuderia e isso não pode ser esquecido. Desde que a marca voltou à categoria com uma equipe própria, ele nem sempre teve carros competitivos. Porém, deu ao time sua primeira vitória neste retorno, no GP da China de 2012, e quando passou a ter um carro vencedor nas mãos foi de grande importância, contribuindo diretamente para os três títulos consecutivos no mundial de construtores. No entanto, ele queria mais, queria ser campeão e daí que vem a cobrança pessoal.
Pilotos são seres competitivos por natureza. E quando eles se encontram em posição de vencer, esse nível só cresce, com alguns chegando a passar dos limites. Rosberg tem esse instinto naturalmente. Talvez seja menor do que o visto em outros pilotos no grid, mas ele tem. E por isso se frustrou tanto com as seguidas derrotas para seu amigo dos tempos de kart, Lewis Hamilton. O próprio Nico admitiu isso.
Contudo, Rosberg soube usar essa frustração como combustível para mais uma vez desafiar o rival que, concorde você ou não, é mais piloto do que ele. O alemão deve concordar com a afirmação anterior, o que fez com que ele precisasse encontrar novos meios de elevar seu nível para tentar equilibrar a disputa. Conseguiu, mas como vemos em sua declaração, o preço foi alto, um sacrifício familiar, como frisou.
Uma das partes de sua declaração que mais me chamou a atenção foi justamente ele ter admitido um aumento na pressão para ser campeão após vencer o GP do Japão. A partir dali, ele tinha em suas mãos a chance de conquistar o título, independente dos resultados de seu rival. Isso revela o quanto ele estava se cobrando, pois imagino que ele sabia que essa poderia ser sua única chance de chegar ao Olimpo da F-1. Até por isso ele adotou uma postura mais conservadora e menos combativa. Ele sentiu, mas se manteve firme.
Com tanta intensidade em um ano, não me admira que esse desgaste tenha sido demais para ele, a ponto do próprio campeão mundial admitir, nesta terça-feira, que o título não lhe trouxe felicidade e sim uma sensação de libertação. E como ele já havia conquistado o que almejava desde criança, resolveu que não valia a pena passar por tudo isso novamente, em busca de novos troféus.
Por isso não critico sua decisão. Nico é um cara bem família e agora poderá curtir a vida longe dos carros, autódromos e paddocks. Agora poderá ser um cara "mais normal", ao lado da esposa Vivian e da filhinha de um ano, podendo acompanhar seu crescimento. E não posso julgar isso como uma atitude errada, pois cada um sabe "onde o calo aperta", como diz o jargão popular. Se ele sente essa necessidade e está seguro de que fez o correto, quem sou eu para criticar.
Que ele curta o momento, o título e que possa ficar ao lado das pessoas que ama e que tanto lhe apoiaram em todos esses anos, retribuindo todo o auxílio recebido nesse período. Será merecido, não só pela conquista, mas por toda uma carreira dedicada ao automobilismo. Não foi fácil chegar onde ele chegou e é hora de aproveitar da melhor forma tudo o que puder que não carros e corridas.
Que o campeão mundial de 2016 seja feliz, pois repito, ele merece.
Fotos: GPUpdate.net
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