O que a F1 tem a aprender com a MotoGP e a Indy?

A Fórmula 1 vive uma fase onde os pilotos pagadores são cada vez mais presentes e o talento está em segundo plano na hora de contratar, em detrimento de um patrocínio gordo em euros. Quer exemplos? Eles estão em sobra! É só ver uma equipe multicampeã como a Williams ter de apelar para Lance Stroll e a carteira gorda de seu pai bilionário, ou para os petrodólares de Pastor Maldonado, um dos pilotos mais barbeiros que a F1 já teve. Lembram do patrocínio recheado do fraquíssimo Esteban Gutiérrez em Sauber e Haas? E do pagador russo Vitaly Petrov na Renault? Que tal Marcus Ericsson, ligado aos novos donos da Sauber?

Pilotos ex-GP2 como Alexander Rossi, Jules Bianchi, Lucas di Grassi, Felipe Nasr, Sam Bird, Pierre Gasly, Davide Valsecchi e Fabio Leimer, por exemplo, passaram pouco ou nenhum tempo na Fórmula 1. Destes, os que conseguiram espaço foi apenas através de equipes pequenas. Na GP3, nomes como Mitch Evans, Alex Lynn, Daniel Abt e António Félix da Costa sequer conseguiram espaço além da GP2 no que se pode considerar a escada rumo à F1. Curiosamente, estes últimos nomes citados foram todos para a Fórmula E, categoria muito promissora e que tem contado com nomes de excelente nível. A F1 aproveita pouco ou nada das categorias de acesso, e a consequência é F-E, Indy, WEC e DTM absorverem a vazão de talentos e pilotos ávidos por um espaço.
Turma da Fórmula E: reduto de bons pilotos que não tiveram seu devido espaço na F1
A necessidade de um piloto pagador é consequência dos altos custos da categoria, mas também não se dá incentivo para a promoção de talentos na Fórmula 1. Quando isto acontece, é por iniciativa de programas de pilotos como o da Red Bull e o da Mercedes. A Ferrari tem seu programa próprio, mas pouco aproveita. É nisto que a F1 perde de dez a zero para a Indy e também até para a MotoGP: a integração da base com a categoria principal. O projeto Road to Indy é simplesmente muito bem conduzido e com aproveitamento bastante promissor dos talentos que lá tentam sua sorte. A escada MotoGP-Moto2-Moto3 é um formato pra lá de consolidado e revelou, por exemplo, 20 dos 23 integrantes do atual grid regular da categoria rainha. Apenas Loris Baz, Danilo Petrucci e Cal Crutchlow não passaram ao menos pela Moto2.

Um dos problemas do acesso à F1 é o excesso de categorias que embolam o espaço da escada de acesso. Não há uma definição clara da hierarquia entre as categorias, o que dificulta muito aos pilotos galgar um espaço de forma mais fácil e rápida à Fórmula 1. Oito de 12 campeões da GP2 chegaram à F1, somente dois foram campeões na categoria e apenas três venceram GP. Somados todos os que chegaram à F1, temos 31 pilotos. Tirando Lewis Hamilton, Nico Rosberg e Pastor Maldonado, os únicos a vencer corridas entre os campeões da GP2, somente Heikki Kovalainen foi capaz de vencer um grande prêmio na F1 dentre os outros promovidos. Além de Hamilton, Rosberg, Maldonado e Kovalainen, outros seis pilotos foram ao pódio (Sérgio Pérez, Kamui Kobayashi, Vitaly Petrov, Timo Glock, Romain Grosjean e Nelsinho Piquet). Isto dá uma média aproximada de 30% de pilotos ex-GP2 indo ao pódio. E mais: dos 31, apenas sete estão na categoria, sendo que Palmer, Ericsson e Vandoorne estão na categoria há menos de cinco temporadas.

Não para por aí. Dos 24 pilotos vindos da GP2 que não estão mais na F1, apenas Timo Glock, Kamui Kobayashi, Heikki Kovalainen, Pastor Maldonado e Nico Rosberg estiveram na categoria por, pelo menos, cinco temporadas (não necessariamente ininterruptas). Ou seja: 19 pilotos sequer chegaram a cinco temporadas na Fórmula 1. A GP3 teve quatro campeões que chegaram na F1, foram eles Esteban Gutiérrez, Valtteri Bottas, Daniil Kvyat e Esteban Ocon. Além dos campeões, outros cinco nomes chegaram na categoria principal do automobilismo. Dos nove, quatro lá permanecem: Bottas, Kvyat, Ocon e Carlos Sainz Jr. A GP3 tem tido um aproveitamento bem superior ao da GP2, hoje F2.

Na Fórmula 3 Europeia, por lá passaram apenas Pascal Wehrlein, Carlos Sainz Jr., Felipe Nasr, Daniil Kvyat, Antonio Giovinazzi, Esteban Ocon, Max Verstappen e Lance Stroll, sendo que apenas os dois últimos saíram direto da F3 para a Fórmula 1. Ainda há a Fórmula V8 3.5, antes Fórmula Renault 3.5 ou World Series. Bons nomes saíram dessa categoria, hoje esvaziada. Fernando Alonso, Robert Kubica, Sebastian Vettel, Daniel Ricciardo, por exemplo, passaram por essa categoria. Na ausência da F3 Inglesa e antes do surgimento da GP2, esta categoria pode ser colocada em um elevado degrau de importância na corrida rumo à F1.
Sebastian Vettel em seus tempos de Fórmula Renault 3.5, em 2006
A F1 precisa se inspirar no Road to Indy, onde o trabalho tem sido muito promissor. Não exatamente no sentido de qualidade de pilotos, pois isto não é o problema, mas sim no aproveitamento, na abertura ao novo gás que essa turma da base pode proporcionar. A IndyCar aproveitou 17 pilotos vindos da Indy Lights desde a instituição do projeto Road to Indy, em 2010. Destes 17, apenas dois (Brian Clauson, já falecido, e Matt Brabham, hoje no off-road) não estão mais na disputa da Indy ao menos nas 500 Milhas de Indianápolis. Oito dos 17 vindos da Lights disputam a temporada inteira, com um asterisco para Spencer Pigot - ele não disputa os ovais (exceto a Indy 500), abrindo espaço para Ed Carpenter, dono de sua equipe.

Se consideradas as estatísticas, dos 15 pilotos vindos da Lights que ainda possuem uma ligação com a categoria principal da Indy, sete conquistaram pelo menos um pódio. Destes sete, quatro venceram corridas. O Road to Indy ainda não gerou nenhum campeão, mas pode ter o primeiro com Josef Newgarden ainda em 2017. A qualidade dos pilotos vindos das categorias de acesso à Indy tem melhorado cada vez mais e só deve crescer. A possibilidade de acesso direto à categoria principal através da Lights, o acesso à Lights através da Pro Mazda e o acesso à Pro Mazda através da USF2000, todos encorpados por uma bolsa em dinheiro, é um passo que a F1 deve observar e se inspirar.
Victor Franzoni, novo campeão da Pro Mazda, dá um passo rumo à Indy Lights e busca chegar ao topo da escadaria
A centralização do acesso a uma categoria principal em uma escada e tornar os custos dessa escada plenamente acessíveis são os primeiros passos para tornar o acesso atrativo. É bom ver que Ross Brawn, diretor esportivo da Fórmula 1, está disposto a integrar a categoria máxima do automobilismo com a F2, a F3 e a F4, claramente inspirado na escada MotoGP-Moto2-Moto3. Seria ótimo não só do ponto de vista competitivo, mas também do ponto de vista comercial.

Falta à Fórmula 1 a oportunização para que não só para que novos pilotos entrem na categoria, mas para que equipes novas tenham condições de se estabelecer no grid. O alto custo da F1 praticamente reduz às fábricas o poder de competitividade. A MotoGP soube diminuir essa discrepância com a introdução do software controlado e o congelamento nas especificações de motores para as fábricas mais desenvolvidas. Falta à F1 uma iniciativa que torne possível a equiparação gradual de forças no grid. E isto é tão importante quanto saber aproveitar os talentos vindos da base.
Em 2016, no GP da Holanda, Jack Miller se tornou o primeiro piloto de equipe satélite a vencer na MotoGP desde 2006
Pois de que adiantaria promover os jovens em equipes sem a menor competitividade perto de fábricas ou de equipes ricas? A menor discrepância ajudaria ainda mais os jovens a se desenvolverem e terem seu potencial melhor aproveitados pelos times e assim melhor capazes de encarar desafios em equipes grandes elevando o nível da competição. E, por fim, a integração com a base tornaria a F1 muito mais interessante não só para os pilotos mas também para o público, que poderá criar identificação com os pilotos desde jovem, como acontece na MotoGP. A F1 quase sempre foi de hegemonias, umas mais longas e outras mais curtas. Se até a MotoGP teve de segurar a onda para não perder competitividade, a Fórmula 1 tem o mesmo dever: devolver a competição a um esporte que ainda leva muita gente às arquibancadas e dá pontos de audiência na televisão.

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