Felipe Massa fez sua parte na Fórmula 1. Mais: é um vencedor. Quem considerar Massa um fracassado, não sabe nada de automobilismo e muito menos de esporte. No GP de Abu Dhabi de 2017, Felipe completará 272 entradas em grandes prêmios de F1 e sua largada de número 269, o que o deixa como o sexto piloto a mais vezes entrar e largar na Fórmula 1 na história. É o segundo piloto a mais vezes guiar um bólido da Scuderia Ferrari na Fórmula 1, atrás somente de Michael Schumacher.
Entre os pilotos “mortais” na F1, aqueles a nunca terem sido campeões, Felipe Massa é o quarto maior vencedor de GPs, ao lado de Rubens Barrichello, com 11 vitórias. É o oitavo maior pontuador da história da Fórmula 1, o maior entre os que nunca foram campeões. Massa está no top 5 de pilotos com mais corridas encerradas nos pontos na F1. Com esses números, é fácil apontar Felipe como um dos cinco maiores pilotos brasileiros na história da Fórmula 1.
A longa e bela carreira de Massa pode ser dividida em três fases: o começo pela Sauber, passando a piloto de testes da Ferrari; a era ferrarista, com a melhor sequência da carreira; e a era Williams, onde a história de Massa na F1 teve um último suspiro e que culminou com o vaivém entre aposentadorias. Sua trajetória na F1 durou de 2002 a 2017, com o total de 15 temporadas na categoria.
Vindo do título da Fórmula 3000, em 2001, Massa teve seu começo na Sauber, na temporada de 2002. Ao lado de Nick Heidfeld, o brasileiro teve uma temporada relativamente boa para um estreante em uma equipe média. Marcou quatro pontos, tendo um quinto lugar no Grande Prêmio da Espanha o seu maior destaque na temporada. Felipe abandonou oito das 16 provas que disputou em 2002, além de ter ficado de fora do GP dos Estados Unidos, cedendo o carro para Heinz-Harald Frentzen.
Massa no modelo C21 da Sauber, de 2002 |
Em 2003, a Sauber trocou Massa por Frentzen e restou ao brasileiro o posto de piloto de testes da Ferrari. Ganhou experiência em Maranello e retornou no ano seguinte à equipe suíça, sendo companheiro de Giancarlo Fisichella. Marcou 12 pontos em 18 corridas. Em 2005, Massa foi melhor que Jacques Villeneuve, companheiro de Sauber, o ano todo. Sua melhor posição havia sido um quarto, em Montréal.
Com a chegada da BMW na Sauber, Massa deixou a escuderia suíça e ganhou a oportunidade de substituir Rubens Barrichello como piloto da Ferrari. E a vida do paulistano mudaria completamente ao se tornar pupilo de Michael Schumacher na temporada 2006. Quase que fazendo o papel de “irmão mais novo” do alemão, Massa pode soltar seu potencial com o Ferrari 248 F1.
As quatro primeiras corridas foram atribuladas, mas foi no GP da Europa, em Nürburgring, que Massa conseguiu o primeiro pódio da carreira. Felipe já havia largado da primeira fila em sua estreia na Ferrari, no Bahrein, mas teve uma prova muito difícil. Foi somente em Nürburgring, vindo da segunda fila, que Massa fez sua primeira grande prova. O pódio foi anotado na terceira posição, atrás do companheiro Schumacher e do então líder Fernando Alonso.
Ao longo de 2006, Massa foi crescendo e mostrando seu valor. Marcou três pódios seguidos na virada para a segunda metade do campeonato, em Indianápolis, em Magny-Cours e em Hockenheim. A tão sonhada vitória viria pouco após a volta das férias, no circuito de Istambul. Felipe tornaria a Turquia o seu terreno na Fórmula 1. Em um fim de semana dominante, Massa faria pole e vitória em Istambul. Uma atuação digna de quem já estava pedindo passagem entre os principais nomes da F1.
Massa é carregado no colo pelas feras em sua primeira vitória, em Istambul (Foto: Motorsport.com) |
Felipe seria pole em Suzuka e na prova que marcaria sua carreira: Interlagos. No Japão, deixou a vitória escapar para Fernando Alonso. O espanhol chegaria ao Brasil dependendo apenas de si para ser bicampeão mundial, enquanto Michael Schumacher teria de torcer para uma prova desastrosa de Alonso. Como a briga pelo título ficaria em segundo plano, já que Alonso teria toda a tranquilidade para administrar o bi, foi Massa quem roubou a cena.
Correndo em casa, saindo na pole, Felipe fez uma prova segura, dominante e pouco foi incomodado pela concorrência. Uma vitória de quem conhecia os meandros de Interlagos, de quem queria provar ao torcedor que era possível pensar alto na F1. Se 2006 foi o ano de surgimento de Massa para a nata, 2007 foi o ano de afirmação. Dez pódios, três vitórias, seis poles, com direito a grandes atuações após um começo difícil. Mas a disputa pelo título ficou polarizada pela dupla da McLaren. O que os pupilos de Ron Dennis não esperavam era que Kimi Raikkonen chegaria por fora e abrindo alas.
E chega o grande ano de Felipe Massa na Fórmula 1: 2008. Após um começo atribulado, Massa emplacou quatro pódios, com duas vitórias no Bahrein e na Turquia. O GP do Canadá interrompeu a sequência de pódios, mas chegou a etapa que daria a Massa aquilo que ele nunca havia tido o gosto: a liderança do mundial. Em Magny-Cours, Felipe saiu da primeira fila, superou Kimi Raikkonen na metade da prova, aproveitando o ritmo ruim do finlandês, e tomou a ponta do GP francês para abraçar a liderança do mundial, então em mãos de Robert Kubica, da BMW Sauber.
Após duas provas ruins, entremeadas por um pódio em Hockenheim, Massa viu Lewis Hamilton crescer no campeonato. O britânico já era líder, mas viu o piloto da Ferrari vencer duas seguidas (GP da Europa e GP da Bélgica) e encostar na disputa. Após um GP de Monza chuvoso e histórico pela primeira vitória de Sebastian Vettel, veio o famigerado Grande Prêmio de Singapura.
Massa dominou o fim de semana de treinos e liderava com relativa folga a corrida em Marina Bay, mas eis que um acidente muda toda a história da prova (e por que não dizer do campeonato?). Nelsinho Piquet perdeu o controle de sua Renault e bateu na curva 17 e causou o primeiro safety car do dia. Massa foi para o seu primeiro pit stop em Marina Bay, mas o que ninguém esperava era que a Ferrari cometeria um erro grosseiro ao liberar o brasileiro quando a mangueira de reabastecimento ainda estava presa ao carro.
Além de ter ficado parado alguns segundos na saída dos boxes, Massa levaria uma punição de drive through, o que aniquilou qualquer chance de recuperação na prova. Na antepenúltima prova, em Fuji, Massa terminou à frente de Hamilton. O piloto da McLaren nem pontuou. Mas na China, o britânico deu o troco e venceu a prova, com Massa sendo o segundo colocado. Hamilton chegaria em Interlagos com sete pontos de frente.
Felipe marcaria sua terceira pole seguida em São Paulo, enquanto Hamilton largaria do quarto posto. O brasileiro fez o seu papel, mesmo sob chuva, e venceu praticamente sem ser incomodado. Um desempenho imperioso como esse seria premiado com o título? Não para o destino. O rival Hamilton vinha em posição suficiente para ser campeão até a reta final de prova. Sebastian Vettel entrou como um personagem à parte na história da prova ao ultrapassar Hamilton e dar, momentaneamente, o título a Massa.
Outro piloto que fazia parte desta história como personagem à parte era o alemão Timo Glock, da Toyota. Ele não havia trocado os pneus de pista seca como haviam feito Massa, Vettel e Hamilton, por exemplo. Com a volta da chuva mais pesada, Glock perdeu muito rendimento e cedeu à dificuldade de dirigibilidade com os pneus de pista seca e acabou ultrapassado por Vettel e Hamilton na Junção, terminando com o sonho do título brasileiro na Fórmula 1.
A resiliência de Massa diante da vitória mais dolorida de sua carreira foi um grande momento de 2008 |
Esta seria a última grande temporada de Massa. O ano de 2009 foi nebuloso tanto para o brasileiro quanto para a Ferrari. Com mudanças no regulamento, os carros se modificaram muito aerodinamicamente, com a asa traseira sendo mais alta e estreita, as muitas aletas de função aerodinâmica foram banidas, e os pneus slick voltaram à cena. Massa e Ferrari sofreram bastante ao longo da temporada.
A equipe Brawn GP assombrava o mundo, a Toyota tinha sua grande chance de poder vencer corridas, enquanto a Red Bull comia pelas beiradas e mostrava todo o seu potencial para igualar e até superar a Brawn naquele ano. Enquanto isso, a Ferrari em nada lembrava o time com o grande carro que tinha em mãos naquela década inteira. Mas Felipe começou a tentar chegar perto das Brawn e Red Bulls, marcando bons pontos e chegando no pódio em Nürburgring.
Porém, a temporada 2009 de Felipe Massa acabou com um grave acidente no treino classificatório em Hungaroring. Uma mola se soltou do carro de Rubens Barrichello e pegou em cheio no capacete de Massa, que bateu em alta velocidade na barreira de pneus. Um susto e tanto para todos que acompanhavam o treino. Massa foi conduzido ao hospital, onde chegou a correr risco de vida, mas logo teve sua devida recuperação.
Momento em que a mola se aproxima de Massa antes de atingi-lo |
Em 2010, Massa pode retornar em 100% de suas condições. O brasileiro teve bom começo na temporada, com dois pódios no Bahrein e na Austrália. A sequência da temporada foi de regular a ruim, com três provas seguidas fora dos pontos. Eis que chegou a prova que pôs uma pá de cal no que restou de animosidade em torno de Felipe Massa: o GP de Hockenheim de 2010.
Após liderar mais da metade da prova na Alemanha, Massa recebeu um comando do seu engenheiro Rob Smedley, que dizia: "Fernando é mais rápido do que você. Você pode confirmar que você entendeu essa mensagem?". Na volta 49, Massa, já com ritmo reduzido, cedeu a ponta para Fernando Alonso. Para completar, Smedley emendou: "Ok, bom rapaz, fique com ele [Alonso] agora, desculpe".
Mesmo que Stefano Domenicali, chefe ferrarista à época, tenha desconversado sobre as suspeitas de jogo de equipe, a Ferrari foi investigada e multada em 100 mil dólares por quebrar o regulamento do Conselho Mundial de Esporte a Motor da FIA. Domenicali, o gerente da Ferrari, Massimo Rivola, além de Alonso e Massa foram convocados pelos comissários porque descumpriram o artigo 39.1 do Regulamento Desportivo da FIA de 2010 e os pilotos foram acusados de violar Artigo 151C do código esportivo da entidade.
A partir deste episódio, Massa passou a ter um desempenho cada vez mais irregular com a Ferrari. Em 2010, anotou dois terceiros lugares, em Monza e na Coreia do Sul. Massa regularmente marcou pontos em 2011, mas não passou do quinto lugar em nenhuma etapa. O desgaste com a Ferrari só aumentou e Massa não conseguia entregar o mesmo que Alonso no bólido rosso. Felipe anotou três pódios, dois em 2012, e um em 2013, antes de deixar a equipe italiana em direção de uma nova vida na Williams.
O anúncio da mudança de ares veio em novembro de 2013. Felipe Massa ajudou a escuderia de Frank Williams a ressurgir das cinzas, já que o time havia feito uma das mais vexatórias temporadas em sua história na Fórmula 1 em 2013, um nono lugar no Mundial de Construtores - com apenas cinco pontos somados - a frente somente das nanicas Marussia e Caterham.
Casamento Massa x Williams: durou quatro temporadas e rendeu o retorno da escuderia ao pódio |
O ano de 2014 da Williams foi promissor, estando somente atrás da nova dona da hegemonia da Fórmula 1, a Mercedes, e da Red Bull, que perdera a coroa de equipe mais hegemônica. Apesar de ser regular sem chamar a atenção na maior parte da temporada, Felipe Massa marcou na Áustria sua primeira pole position desde o GP do Brasil de 2008. Seria a única pole position de um piloto que não fosse da Mercedes naquela temporada. Massa ainda anotaria três pódios na metade final da temporada.
No ano seguinte, Massa manteria o mesmo ritmo de 2014, com dois pódios (Áustria e Monza), tendo um desempenho regular embora não conseguisse bater Valtteri Bottas em boa parte do ano. O carro da Williams decepcionou em 2015 por não evoluir o que era um bom carro em 2014.
Já no ano passado, as coisas degringolaram em Grove. Com um chassi ruim, a Williams decaiu em relação aos concorrentes, entre eles a Force India. Felipe novamente não passou do quinto lugar nas provas da temporada e fez o seu pior ano desde 2005, quando ainda corria de Sauber. O desgaste causado pela queda da Williams fez Massa decidir pela aposentadoria ao fim da temporada 2016.
Massa seria massivamente recepcionado pelo povo em Interlagos |
Ironia ou não, de nada valeria a lindíssima recepção ao brasileiro em sua despedida (até então) em Interlagos - com direito a reverência geral em sua chegada aos boxes, quando abandonou o GP. A súbita e chocante aposentadoria de Nico Rosberg após conquistar o Mundial de Pilotos mudou o mercado de pilotos para 2017 de cabeça para baixo. Massa chegou a ser falado como possível substituto de Rosberg na Mercedes, mas foi seu ex-companheiro Bottas quem teve a chance recebida.
A Williams decidiu por desaposentar Massa e dar mais um ano para o brasileiro na Fórmula 1. O extremo domínio de Ferrari, Mercedes e Red Bull - mais o crescimento franco da Force India, aliado à queda franca da Williams - contribuiu para uma temporada discreta, mas boa, de Felipe Massa. A incerteza da permanência, a falta de respeito e a indecisão da Williams quanto a quem seria o companheiro de Lance Stroll em 2018, fez com que Felipe optasse por se reservar de mais novelas e enfim parar.
A Fórmula E será um caminho mais que natural do vice-campeão mundial de 2008. Massa ainda tem lenha para queimar e muito a contribuir para uma categoria que cada vez mais se estabelece no cenário do automobilismo mundial. Quinze temporadas de Fórmula 1 jamais podem ser apagadas. Massa contribuiu muito para a categoria e sai como um vencedor. O respeito que ele inspira é o reconhecimento merecido por sua dedicação. Grazie, Felipe!
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