Hoje, temos uma convidada para o Especial "O que marcou em 2012". Historiadora, professora, campineira, ponte pretana, fã do Kimi Raikkönen e dos, por ela descritos, 'homens rosa', a personagem desse quarto episódio é a minha amiga Bethania Santos Pereira, que fala sobre a tendência da F1 em explorar novos mercados nos dias atuais, em busca apenas dos poupudos cheques que são oferecidos. Um assunto bastante interessante e muito bem abordado por ela. Recomendo muito a leitura desse texto para uma reflexão. Vocês não vão se arrepender. Boa leitura!
A espetacularização da Formula 1
Todos os anos é a mesma coisa: chega a corrida da Coréia e eu só tenho vontade de chorar. Aquele circuito sem organização, as arquibancadas vazias, o povo da Coréia que não tem qualquer relação com a Fórmula 1 recebendo um evento desse esporte. Bom, depois vem a Índia. Mesma coisa: público fraco, país sem mínima tradição no automobilismo. Verdadeiro showzinho pra inglês ver. E, claro, não podemos nos esquecer de Bahrein e Abu Dhabi. Ao mesmo tempo, circuitos antigos, dos quais o público gosta, estão há anos sem receber uma corridinha. Incoerência? Burrice? Falta de gestão? Certamente nenhum desses atributos pode ser relacionado ao responsável por essa situação, Bernie Ecclestone, o ex-vendedor de carros que fez fortuna (e bota fortuna nisso, amigos) com as corridas de Fórmula 1. Porém, não é personalizando esses atos que é possível refletir com uma certa coerência sobre a atual situação da Fórmula 1 que me é bastante incômoda. Acredito que as coisas estão um pouco além do “Bernie Ecclestone é um porco fascista e capitalista” e estão mais relacionadas com um fenômeno um pouco maior.
Me parece bastante adequado, primeiramente, pensar sobre a espetacularização do esporte para falar da Fórmula 1 dos anos 2000. Na verdade, o movimento de tornar o esporte uma forma de espetáculo encontra aparato na tendência, a partir da parte final do século XX, de compartilhamento de experiências entre público e determinado esporte através apenas do que a TV e outras mídias oferecem. O esporte, assim, entra para categoria de entretenimento. E um entretenimento visivelmente relacionado com numa forma de produção que depende dessas mídias para sua difusão e crescimento. É impossível pensar em um campeonato de Fórmula 1 sem os meios de comunicação em massa para sustentá-lo. Em uma entrevista concedida ao Tazio em agosto desse ano, Bruno Senna destaca sua preferência pelos circuitos mais antigos, já que nos novos: “Você faz aquele esforço todo e acaba correndo mais para a televisão.” Por isso a não necessidade de público nas arquibancadas, por isso a distância, já que a relação entre espectador e esporte se dá num âmbito muito mais virtual que real (na verdade, penso aqui o virtual como uma extensão do real, como algo que é legitimado enquanto real pelo público, mas a oposição entre os dois também é válida).
Além dessa experiência virtual, o conceito de indústria cultural criado por Adorno e Horkheimer é cabível para tratar das novas relações da F1. Para quem desconhece, Theodor Adorno e Max Horkheimer são sociólogos e filósofos alemães, membros da Escola de Frankfurt que voltaram uma parte de suas análises para a situação da arte na sociedade capitalista. Faço aqui uma ressalva quanto à diferença dos temas abordados por mim e por eles, mas acredito que a capacidade do capitalismo de engolir e incorporar quase tudo coloca arte e esporte, atualmente, no mesmo patamar. Para os dois alemães, de forma bem resumida, a indústria cultural molda a produção artística de modo que a arte assuma padrões comerciais. Em suma, arte vira comércio.
A teoria não é assim tão simples mas, a partir do momento em que vemos as corridas de F1 migrando para espaços onde o único critério para escolha é se o cheque de
pagamento será pago ou não no fim do espetáculo, não tem como não pensar nessa mercantilização do esporte. A máquina capitalista de reprodução se apropria do esporte de uma tal maneira que ele se torna produto sujeito às leis de mercado.
Quem nunca se espantou ao ouvir Ecclestone dizer que tudo depende do quanto determinado país está disposto a pagar? Não interessa se é a pista monótona projetada pelo intrépido arquiteto Hermann Tilke (em quem eu daria uns bons tapas se encontrasse na rua), se é na quebradíssima Grécia (claro, nada lá foi confirmado, mas os rumores de um GP numa Grécia em crise já me deixaram com medo) ou sob os protestos do Bahrein. O que interessa é o lucro, a disputa do mercado.
A instituição central, agora, é o próprio mercado ou a dinâmica que ele engendra. E acho válido retomar o discurso da Marilena Chauí, filosofa brasileira, sobre a cultura do efêmero. Para ela, novos produtos, novas práticas esportivas aparecem e desaparece. O vínculo é rápido e pouco profundo. Da mesma forma, circuitos (e pilotos, e equipes) aparecem e desaparecem (ou estão sob quase constante ameaça de sumiço frente à ausência de dinheiro) sem quaisquer reservas. E nós, espectadores, ficamos à deriva ou, como diria Caetano, dependemos “da força da grana que ergue e destrói coisas belas”.
Contudo, este texto não é nenhuma apologia aos circuitos antigos e europeus, porque mesmo Hermann Tilke pode construir excepções à regra. Os resultados em Austin, no Texas, mostram que é possível construir uma pista fantástica em um lugar com público interessado, como os Estados Unidos. Afinal de contas, parece que nem tudo é mau nesta vaga de circuitos novos e descaracterizados.
Fotos: GPUpdate.net
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