Entrevista - Paulo Alexandre Teixeira (Speeder 76)

Depois das merecidas férias, o blog voltou com força total. E como não poderia deixar de ser, o quadro "Entrevistas" também está de volta. E nessa semana, mais um convidado que mora do outro lado do Atlântico (que chique, o blog esta ficando internacional).

O entrevistado da semana é o jornalista e blogueiro Paulo Alexandre Teixeira, mais conhecido pela alcunha de Speeder 76 e por seu excelente blog, o Continental Circus.

Tanto blogueiro quanto blog foram um dos primeiros que conheci nessa minha aventura pela blogosfera. E tenho que dizer uma coisa: o Paulo entende muito de automobilismo em geral.

Não é a primeira entrevista que o Paulo concede a esse blogueiro que vos fala. Em 2008 ele também conversou comigo sobre a temporada da F1. Agora, abrindo os trabalhos em 2010, novamente o Speeder (que nasceu no Brasil, diga-se de passagem) veio falar sobre a categoria mais importante do automobilismo mundial e também falar um pouquinho sobre as categorias de base na Europa e sobre o automobilismo português.

Mas chega de papo. Vamos à entrevista. Boa leitura e divitam-se com esse benfiquista!

1. Começando a entrevista pela F1, de que maneira você avalia a temporada de 2009 da categoria?

Acho que a temporada de 2009 foi interessante. Tivemos um novo actor a entrar na competição, que foi a Brawn GP, mostrando-nos o que iriamos perder, caso a solução para a saída da Honda não tivesse sido aquela que vimos. Com isso, as carreiras de Jenson Button e Rubens Barrichello foram revitalizadas, enquanto que existiram mais motivos de interesse: a “falsa partida” das equipas ditas tradicionais, como a Ferrari e a McLaren, que recuperaram de uma certa forma a partir do meio da temporada, e a consolidação da Red Bull como equipa de topo. Isto em termos de pista.

Em termos de bastidores, foi uma temporada “quente”. As brigas entre a FOTA e a FIA, as polémicas sobre o sistema de medalhas e o facto do Max Mosley ter esticado a corda até ao limite, fazendo com que as equipas terem anunciado a sua saída no fim de semana do GP da Grã-Bretanha, e avançando para um calendário paralelo, fez com que Ecclestone interviesse e obrigasse Mosley a sentar-se e fazer um acordo com a FOTA, no sentido de sair e nomear um sucessor, que foi o Jean Todt, contra uma oposição chefiada por Ari Vatanen, mostrou que quando as equipas trabalham juntas para um objectivo comum, elas conseguem-no, desafiando a autoridade da FIA. Obrigaram Mosley a escolher: ou passava à História como o responsável pelo fim da Formula 1, ou então saia de cena pelo seu próprio pé, aceitando as condições dos construtores. Espero que no final a formula 1 tenha saído a ganhar.

2. A briga pelo título dessa temporada foi polarizada entre três pilotos desacreditados e um novato, em duas equipes que nunca tinham conquistado nada, uma inclusive estreante. Do outro lado as equipes tradicionais não tiveram um bom início de ano. Quais fatores você aponta como principais para essa inversão de papeis?

Como sabes, em 2009 tivemos novas regras relacionadas com a estrutura dos carros, com novas asas e novo “aileron” traseiro, a introdução dos pneus “slick”, o KERS, que foi um verdadeiro fracasso, apesar da McLaren a ter usado durante toda a época, um novo difusor, que deu imensa polémica no inicio da temporada, pois achavam que o difusor da Brawn GP era ilegal, mas depois a FIA disse que não… o projecto do Ross Brawn e do BGP001 foi uma “pedrada no charco” da Formula 1, aliado ao bom projecto do Adrian Newey na Red Bull, e causou ondas de choque nas equipas da frente, como a Renault, McLaren e Ferrari que demoraram a recuperar.

A McLaren reagiu bem a partir do meio da época, com o Hamilton a vencer corridas, a Ferrari foi mais ou menos, a até acharia que teria o mesmo destino da McLaren, se não desistissem cedo do seu F60 e não terem ficado incomodados com o acidente do Felipe Massa, que fez com que trabalhassem com “um piloto”, já que Badoer e Fisichella só atrapalharam. A Renault sofreu com um projecto mal nascido e que nunca se endireitou. Para piorar as coisas, não tinham um segundo piloto capaz e um Flávio Briatore que só atrapalhou. A Renault nunca soube reagir, ou reagiu mal. A BMW faz melhor, e ia-se embora da competição…

3. E o que você achou do título ter ficado com Jenson Button? Ficou em boas mãos ou algum outro piloto merecia ter sido campeão?

O Jenson Button mereceu plenamente o título. Tinha o melhor carro nas suas mãos e aproveitou as oportunidades concedidas no inicio da época para vencer corridas. Foi muito regular (só abandonou uma vez, e por acidente) e enquanto que Barrichello e Vettel foram mais irregulares, ao Button, depois das vitórias iniciais e quando a equipa começou a sofrer um pouco com as subidas da McLaren, da Red Bull e do próprio Barrichello, soube amealhar os pontos suficientes para chegar em Interlagos na melhor posição para conseguir o título mundial. E conseguiu.

4. Em relação ao desempenho do restante do grid, algum piloto ou equipe decepcionou muito ou lhe agradou de uma forma que você não esperava?

Como é obvio, esperava mais da BMW. Depois de terem feito um bom resultado em 2008, julgava que iriam fazer um bom chassis que lhes desse o “salto” que lhes faltava para chegarem ao merecido título. Mas o carro tornou-se numa nitida decepção, e não conseguiram qualquer vitória. Aliás, o Heidfled e o Kubica só conseguiram um pódio cada. Portanto, eles, a par da Renault, foram para mim grandes decepções, e o Alonso e o Kubica sofreram com esses maus chassis.

Confesso que fiquei surpreendido com a Force India. Descobrimos de repente que tinham um excelente chassis para circuitos de velocidade como Spa-Francochamps e Monza. O facto de terem conseguido uma pole-position, um pódio e uma volta mais rápida em apenas duas corridas fez com que todos deixassem de olhar como uma equipa que poderia aspirar a pontos em casos excepcionais, como chuvas ou gigantescas carambolas, pois em ambos os casos, isso não aconteceu. Conseguiram aqueles resultados em circunstãncias ditas “normais”.

5. Passando da parte esportiva para os escândalos, mais especificamente para a armação no GP de Cingapura em 2008, o que você achou dessa história toda?

Eu na altura contei um episódio pessoal: enquanto que os carros entravam nas boxes de Singapura (aqui em Portugal a cidade escreve-se desta maneira), recebi um telefonema de um amigo meu a dizer que aquele acidente era muito suspeito. E esse amigo meu era “insider”, mas sabia que não estava no local naquele dia. Achei a história demasiado boa para ser verdadeira, embora tinha visto o que acontecera e tudo se encaixar.

Quando o “Crashgate” rebentou de novo, não fiquei surpreendido. Apenas cheguei rapidamente à conclusão de que, como foi o Reginaldo Leme o primeiro a falar sobre isso na imprensa, suspeitei que o “informador” era da área do Nelson Piquet. Quando as coisas se encaixaram perfeitamente, assumi logo que não só que alguém descobriu a verdadeira natureza do Flávio Briatore (ele somente encarava a Formula 1 como meio de ganhar dinheiro e dar-lhe a “dolce vita” que desejava), como também foi uma forma dos Piquet vingarem-se do Briatore, que provavelmente deviam ter um trato qualquer em relação à carreira do filho.


6. E sobre ela ter sido revelada apenas um ano após ter acontecido, qual sua opinião sobre isso?

Já te respondi na pergunta anterior: o fato de ter sido revelado apenas quando o Nelson Piquet Jr. teve de sair “pela porta pequena” após o GP da Hungria, faz com que fique a pensar que tudo aquilo aconteceu porque ele ou o pai meteram a boca no trombone. Apesar de revelarem a verdadeira natureza do Briatore, também passa a ideia que foi por vingança, e que tinham um trato em relação à sua continuidade na Renault: eu bato, o Alonso ganha e fico mais um ano.

Claro, o chato é isto provavelmente fez queimar definitivamente a carreira do Nelsinho na Formula 1. Agora, se quiser correr em 2010 na categoria máxima do automobilismo, terá de andar com um saco cheio de dinheiro atrás dele e de arranjar um lugar numa das equipas novatas, que necessitem desesperadamente de completar o orçamento para poderem correr toda a época de 2010 sem sobressaltos, como a USF1 ou a Campos Meta. Aliás, houve uma altura que se falou numa dupla Senna/Piquet….

7. Você achou as punições justas e coerentes aos envolvidos?

Na minha opinião, as penalizações foram justas. Não fazia nenhum senttido o Symmonds e o Briatore não serem punidos sem ser daquela maneira. Mas quanto aos resultados desportivos… sei que muitos achariam que a Renault deveria ser desclassificada daquela corrida e ser entregue a outro, ou então que se excluisse pura e simplesmente a Renault do campeonato. Mas se não excluiram a McLaren por causa do “Stephneygate”, porquê agora a Renault? Acho que seria injusto a equipa a pagar pelos pecados dos seus dirigentes, para além de passar a ideia de que a FIA teria dois pesos e duas medidas.

E para finalizar: o campeonato de 2008 foi homologado pela FIA, logo, não se pode voltar atrás e retirar vitórias e títulos “a posteriori”. Pode ser injusto, mas se fizessemos isso sempre que descobrissem as maracutaias que as equipas e os pilotos fizeram no passado, e sabes que sempre existiram, terias a História da Formula 1 a ser reescrita todos os anos. Faria lembrar as fotos manipuladas do tempo da União Soviética de Stalin, que “apagava” os que tinham caído em desgraça. Seria a pior emenda do que o soneto.

8. Outra briga que chamou a atenção em 2009 foi entre a FIA e a FOTA. O que comentar sobre isso e sobre a saída de Max Mosley da presidência da FIA?

Acho que foi uma luta de partes, de egos. A determinado momento, como tu reparaste, o Mosley entrou numa briga de “eu contra o Mundo”, para impor a sua visão do automobilismo. As equipas uniram-se, o que foi inédito em 30 anos, defenderam as suas posições de vista até ao ponto de ruptura, que tu tiveste durante alguns dias em Junho. Depois chegaram a uma espécie de acordo, em que davam a Mosley uma saída digna, de um mandato que ficou irremediavelmente manchado com estes últimos episódios.

9. Você acha que Jean Todt poderá fazer um bom trabalho agora como presidente eleito da entidade?

Quero acreditar que sim. Que não cometa os mesmos erros do passado, que é isso que esta Formula 1 dispensa. Pessoalmente, apoiava o Ari Vatanen, pois pensava que seria uma lufada de ar fresco no automobilismo. Mas as federações perferiram a continuidade, e são elas que decidem. Só espero que Todt não seja um agarrado ao poder, e oiça a todos, delegue poderes e decida por consenso. A formula 1 e o automobilismo devem isso.

10. Falando sobre segurança agora, tivemos dois acidentes que afastaram pilotos da temporada. O primeiro foi com Felipe Massa na Hungria, quando uma mola acertou sua cabeça e o tirou da temporada. O segundo com Timo Glock no Japão, quando o alemão machucou uma vértebra e perdeu o restante do campeonato. De que maneira você avalia isso?

Pois… pela primeira vez em dez anos apanhamos verdadeiros sustos. E tudo devido a azares. Estamos a falar de uma pequena peça, que se soltou do carro do Rubens Barrichello, e que atingiu o caro que vinha atrás, que por azar, foi o do Felipe Massa. E a sorte no meio desse azar é que por dois centímetros, a carreira do Felipe não acabava ali.

Pela primeira vez desde o acidente do Michael Schumacher em Silverstone, onde ele quebrou a perna direita, não tivemos pilotos a falharem o resto da época por motivos físicos. Demonstra que a Formula 1 é um desporto perigoso, e nunca terá zero riscos. É certo que não morre ninguém, mas a fronteira entre a sorte e o azar é muito ténue. Depois foi o caso do Timo Glock, onde aí foi um excesso que levou o carro a ficar enfiado dentro da barreira de pneus. Creio que esse tipo de barreiras deve ser revisto, sob pena ter termos algo mais grave.

Em jeito de conclusão, direi que isto foram testes aos carros e aos nossos carácteres. Sei que o público em geral iria reagir muito mal a uma morte na Formula 1, porque como tu sabes, é algo que é seguido por milhões todos os dias e as provas são vistas em directo por centenas de milhões de pessoas. A audiência pode gostar de ver o circo pegar fogo, mas não de ver o trapezista saltar para a morte.

11. E na sua opinião, há o que se melhorar na questão de segurança?

Não creio que haja muito. As pessoas devem ter a consciência de que o automobilismo nunca será um desporto de risco zero. Nunca. E no exemplo que te dou, o do Henry Surtees, numa prova de Formula 2 em Brands Hatch, que teve um azar tremendo, pois levou um pneu em cima do seu capacete. Se passasse por ali dois segundo depois, ou dois segundos antes, estaria vivo. Não podes melhorar muito mais, sob o risco de descaracterizar a competição. De facto, foi uma benção teres tido 15 anos sem mortes e dez anos sem acidentes graves. É sinal de que a segurança que foi implementada anteriormente funciona muito bem e deveremos ter confiança nisso.

Repara: os crash-test dos chassis são rigorosos, os carros são quase indestrutíveis, as rodas não voam tão facilmente, pois existem fios que os seguram, tens o HANS, que evita as chamadas fracturas basais, que são fatais, tens capacetes leves e resistentes, tens fatos que retardam o fogo… não creio que precisemos de mais segurança. Chegamos a um ponto que qualquer alteração ou iria descarecterizar os carros, ou faria mais mal do que bem aos pilotos.

12. Vimos também nesses últimos 12 meses a saída de três montadoras da categoria. Em contrapartida o grid para 2010 vai crescer numericamente com a entrada de mais garagistas. Isso é benéfico para a categoria nessa atual política de corte de custos ou não terá muita influência?

O beneficio da entrada dos “garagistas” é que a Formula 1 será menos corporativa, menos “cinzenta”. Lotus e Virgin tem um pouco a irreverência que a Red Bull já nos habituou, e o regresso da Sauber como construtor independente é bem-vindo, pois o Peter Sauber tem créditos firmados. Quanto ao corte de custos, só será benéfico se a Ferrari, McLaren, Mercedes e Red Bull não gastarem tanto como as novatas ou as outras equipas. A Virgin tem um orçamento de 45 milhões de euros, a Lotus diz que vai gastar 55. Se a Ferrari gastar 75 milhões e a Mercedes também, já é um ganho. E também provará que não é gastando centenas de milhões que as equipas serão vencedoras, como fez a Toyota e a Honda num passado recente.

13. Qual sua opinião sobre a Formula 1 ter ficado nas mãos das montadoras por certo período?

Não muito bem. Falamos de corporações, e na mentalidade deles, a Formula 1 é apenas uma montra tecnológica e pouco mais. Ali não tens a mentalidade de competição, é demasiado de escritório. Para eles, as corridas só servem para vender mais carros à segunda-feira. E a prova disso foram os imensos milhões que eles gastaram ao longo dos anos, como a Toyota e a Honda, sem resultados de relevo, e ao primeiro sinal de crise, vão se embora, como fez a BMW. Só equipas com “pedigree” de corrida, como a Mercedes, é que ficam na competição, mas com base autonoma.

14. Sobre as regras de 2010, não haverá mais reabastecimento e com isso os treinos serão disputados com tanque vazio. Os testes também estão proibidos para os pilotos que disputam a temporada. Como você analisa essas regras?

É mais interessante. Por um lado, não terás estratégias na qualificação como tinhas agora, onde andavas de tanque vazio, mas ias abastecer à volta oito ou dez, como acontecia agora. Aqui podes “voar” na qualificação, mas quando começares a corrida terás tanques cheios, logo terás de te adaptar nas primeiras voltas, com pneus frios, logo, estás mais propenso a cometer erros. Mas por outro lado, vais ter paragens ultra-rápidas e eventualmente corridas onde os pilotos irão correr com o mesmo jogo de pneus, para ver se conseguem subir na classificação. Não sei aumentarão as ultrapassagens, não creio muito nisso. Mas só a partir do Bahrein é que boas parte das nossas duvidas terão resposta.

15. O que esperar dessas novas equipes em sua primeira temporada em 2010?

Esperemos que aprendam. Espero que a Lotus e a Virgin confirmem as suas credenciais e tenham uma boa estreia no campeonato. Acho que vai ser uma delas que levará o título de “melhor estreante do ano”. Quanto à Campos e à USF1, espero que consigam levar por diante os seus projectos, e acredito nisso por parte da equipa espanhola, e espero que no final de 2010, consigam correr em 2011.

16. Quem são os principais favoritos ao título de 2010 e quem pode surpreender?

Os favoritos não devem passar dos quatro presentes: Ferrari, McLaren, Mercedes e Red Bull. É onde estão os pilotos mais capazes e onde muito provavelmente teremos concentrados 90 por cento dos pódios que irão ser conquistados em 2010. Têm tecnicos capazes, bons pilotos e muita vontade de mostrar serviço.

Surpresas… não sei. Tenho expectativas em relação aos carros com motor Cosworth. Será que eles são bons como se ouve por aí ou serão “bombas”? As equipas novatas mais a Williams (são dez carros ao todo) terão esse motor montado nos seus chassis. Veremos como se comportará. E claro, quero ver como a Renault, Sauber e Williams se comportam.

17. Para finalizar o assunto F1, qual a projeção que você faz para a temporada 2010 de uma maneira geral?

Arrisco-me a dizer que vai ser uma temporada de titãs. Temos em três das quatro principais equipas de Formula 1 dois pilotos, cada um com hipóteses reais de título: Schumacher, Massa, Button, Hamilton, Rosberg e Alonso. E ainda tempos o Vettel na Red Bull. A expectativa vai ser enorme, por vários factores: a Mercedes, como ex-Brawn GP, quererá manter a onda, a Ferrari e a McLaren não quererão ser apanhados desprevenidos, como aconteceu em 2009, e a Red Bull tentará o assalto ao título em 2010. É um jogo de aposta multipla, caso não apareça um chassis que seja dominador e frustre as nossas expectativas de competitividade na Formula 1.

Por outro lado, temos as novatas: Lotus, Virgin, Campos e USF1. Veremos se todas elas chegarão a alinhar no Bahrein, o que acredito, e veremos também qual delas é que conseguirá fazer o melhor trabalho e se não existirão trocas de pilotos a meio da época só para completar o orçamento. Poderemos ter 26 carros a alinhar em pista, mas provavelmente teremos mais pilotos inscritos no Mundial, e que terão hipótese de correr num Formula 1.

18. Deixando a F1 um pouco de lado, vamos falar do automobilismo português. Quais são as condições, a estrutura e o investimento no esporte a motor por ai? E o que você acha que deve melhorar?

A estrutura é relativamente boa. Temos a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting (FPAK), temos campeonatos nacionais de todo-o-terreno, ralis, Turismo (PTCC), clubes que organizam bem as suas provas, fazendo com que algumas delas estejam em calendários internacionais. Os Ralis da Madeira e dos Açores fazem parte da elite europeia, e do IRC.

Existem três circuitos permanentes (Braga, Estoril e Portimão), calendários nacionais relativamente cheios de participantes, e muitos dos nossos pilotos vão competir em Espanha ou no resto da Europa, internacionalizando as suas carreiras. E tens equipas na Le Mans Series (Quifel ASM) e na GP2 (Ocean Racing), com bons resultados, o que é optimo.

Claro que há aspectos a melhorar. A começar por mais apoios à internacionalização dos nossos pilotos, principalmente depois do karting (já não existe mais uma Formula Ford nacional, por exemplo) e acho que deveria haver mais coordenação com Espanha, no sentido de existir uma “iberização” dos calendários. Espanha tem neste momento oito ou nove circuitos de cariz internacional (Jerez, Barcelona, Valencia, Alcainz, Monteblanco, Jarama…) e acho que não fazia nada mal se certas categorias de pista, como os campeonatos de GT, os Turismos, e uma Formula Renault e a Formula 3, se “iberizassem”, com equipas espanholas e portuguesas, ajudariam imenso os pilotos que saem do karting.


19. No ano passado foi inaugurado o novo circuito no Algarve e já até especularam que a F1 poderia voltar a Portugal. O que esse novo autódromo significa para o automobilismo português?
Imenso. Voltamos a estar no mapa. Ainda por cima, estamos a falar de alguém, que é o Paulo Pinheiro, que é a “alma” daquele circuito. Foi ele que concebeu o projecto, que demorou alguns anos a ser planeado e um ano a ser concluido. Para um país que só tinha dois circuitos permanentes, mas nenhum com capacidade para receber a Formula 1, o Autódromo Internacional do Algarve é uma lufada de ar fresco no automobilismo português e mundial. E a prova disso é que em 2010 vamos albergar todas as categorias base, desde a formula Renault até à GP2, passando pelo WTCC, que vai estrear o circuito em 2010, e a Le Mans Series, com os 1000 km do Algarve.

Só falta a Formula 1, mas acho que é por uma questão politica. Aquilo não é um “tilkódromo”, o Bernie ou o ACP (Automóvel Clube de Portugal) resistem a qualquer acordo “leonino” da parte do Ecclestone, que apesar das simpatias pelo nosso país, provavelmente tem mais cabeça numa prova na Ásia, como a Coreia, que provavelmente não vamos ter em 2010, pois falta dinheiro para concluir o projecto de Jeolla, do que ter mais uma corrida na Europa. Em suma, enquanto o calendário for feito nos termos dele, é esperar por melhores dias.

20. E os boatos sobre a volta da F1, o que tem de verdade nisso?

Alguma, mas pouca. É certo que o Carlos Barbosa, o presidente do ACP, e agora um dos vice-presidentes da FIA, diz que até é fácil termos a corrida, pois basta o Estado estar disposto a pagar 15 milhões de euros por ano, mas como disse lá atrás, quem elabora o calendário e assina os contratos é o Eclestone, e não a FIA. E ele tem praticamente carta branca para dizer que quer circuito A, nas condições B, pagando C por ano. E se apetecer rescindir o contrato, eu faço e não pago nada. É o que se chama de “acordo leonino”. E enquanto o Bernie só pensar na Ásia, as hipóteses não são muitas.

21. Voltando um pouco na F1, o que significa a chegada de Álvaro Parente à categoria, mesmo como piloto de testes?

Para já, e uma recompensa, pois ele tem um excelente palmarés nas categorias de base. Campeão da Formula 3 inglesa, campeão da World Series by Renault, piloto de créditos firmados na GP2. O ideal teria sido um lugar como piloto titular, mas acho que este é um excelente acordo, com uma excelente equipa que é a Virgin Racing, pois irá ajudar-lhe a dar um lugar numa das equipas de ponta da GP2, como a Racing Engineering, a mesma onde andou o Lucas Di Grassi.

Ele tem talento para andar num Formula 1, não tenhas dúvidas. Espero que consiga a chance que merece, basta saber esperar. Afinal, o Lucas di Grassi também esperou mais de dois anos como terceiro piloto da Renault, e entretanto andou na GP2, e essa espera teve frutos, pois em 2010 vai poder estrear-se na Formula 1, e na minha opinião, ele merece. Se seguir o mesmo padrão do Lucas, a Formula 1 é uma questão de tempo.

22. Existem mais pilotos por ai com potencial para chegar à Formula 1 no futuro?

Obviamente. Posso falar-te do francês Jules Bianchi, que a Ferrari já assinou para ele num programa de desenvolvimento de pilotos, de (outro) finlandês, chamado Valteri Bottas, que está na F3 Euroseries, do italiano Mirko Bortolotti, do australiano Daniel Ricciardo, que ganhou a F3 inglesa, do americano Alexander Rossi, que está na GP2 Asia, na Ocean Racing, e especialmente do português António Felix da Costa, que tem 18 anos, imenso talento, e vai para a F3 Euroseries em 2010, mas com passagem garantida para a GP2 em 2011. Talento não faltará nas categorias de base.

23. Sobre as categorias de base, como a GP2 onde o Parente se destacou, como você as avalia? O que é necessário também para melhorá-las?

Acho engraçado: começa a existir uma pulverização de categorias base. Em 2010 vai aparecer uma GP3, que servirá como uma categoria abaixo da GP2. Vai estar em paralelo com a Formula 3, e ainda por cima teremos a Auto GP, que é a reformulação da Formula 3000 Euroseries, e de onde pelo menos duas equipas de GP2 irão competir, a DAMS e a Super Nova. Neste momento existem imensas categorias base, onde devem andar à volta de 70, 80 pilotos, ou mais, à procura de um lugar ao sol. É muito, demasiado, na minha opinião, para um topo da pirâmide pequeno, que é a Formula 1.

24. Em quais categorias devemos ficar de olho em 2010?

Pessoalmente, vou andar atento à F3 Euroseries e à GP2, pois é onde andarão pilotos portugueses. Verei também os outros, alguns para saber como correrá a experiência, como a GP3 e a Auto GP. De resto, é à medida que o ano correr.

Confira as entrevistas anteriores

Bianca Moura - Blog F1 com Café - 18 de novembro
Priscilla Bar - Blog Guard Rail - 25 de novembro
Barbara Franzin - Blog Velocidade - 02 de dezembro
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