Até aquele momento, o circo da F1 já tinha passado pelo Brasil e pelo Japão. Ayrton, tinha abandonado os dois GPs e de quebra, viu o jovem Michael Schumacher, vencer.
Aquele fim de semana em Ímola, como vocês todos sabem, já havia sido trágico o bastante. Na sexta, Rubens Barrichello quase perdeu a vida, após um acidente na Variante Bassa. Seu carro, decolou e bateu na proteção de pneu, capotando várias vezes. Graças ao pronto atendimento dos médicos, ele sobreviveu. Já no sábado, o pior aconteceu a Roland Ratzenberger. O austríaco bateu forte na curva Tosa, destruindo sua Simtek e não resistindo aos diversos ferimentos.
Eu, no auge de meus seis anos, não tinha entendido muito bem o que havia acontecido. Por isso, também não me dei conta do que aconteceria pouco mais de uma hora após eu ter acordado.
Esperando a hora da corrida fiquei vagando pela casa. Por volta das oito e quinze, minha mãe pediu que eu acompanhasse meu pai na feira. Fui meio que a contra gosto, com medo de perder a largada. Chagando lá, não sei como explicar, mas senti algo estranho, que guardei comigo todos esses anos. Uma sensação muito esquisita, algo tenso no ar. Mas logo me esqueci disso, ao passar pela banca de doces.
Faltava cinco minutos para as nove horas, ou seja, cinco minutos para a largada. Apressei meu pai e corremos para o primeiro bar que vimos para ver a largada.
No início da corrida, veio o acidente de Pedro Lamy e J.J. Letho. Bandeira amarela e safety car na pista. Meu pai e eu decidimos correr para casa e pegar de lá a relargada. Só que tivemos um imprevisto no caminho: fizemos em dez minutos o percurso que geralmente demora três, de carro. Por isso, perdi o momento exato da batida, graças a Deus.
Quando finalmente chegamos em casa, desci afoito do carro, corri para a sala, liguei a TV e vi as imagens que nunca gostaria de ter visto em toda minha vida. Uma Williams com o lado direito totalmente destruído e um piloto estirado no chão, sendo atendido pela equipe médica. Sem entender bolhufas, lembro me bem da primeira pergunta que fiz. Infelizmente, uma confirmação arrasadora, na voz, já triste, de Galvão Bueno, veio a seguir.
- Pai, é o Hill ou o Senna? Pai é o Senna, vem ver.
Meu pai chegou a sala ainda com as sacolas de compras da feira. E assim que olhou para a TV, que mostrava aquelas imagens devastadoras, disse:
- Ixi, é o Senna mesmo?
- É pai.
Ele abaixou a cabeça e saiu calado do recinto.
Continuei ali, firme e forte, esperando a corrida voltar e o meu herói se levantar. Ele nunca mais levantaria...
Até onde me lembro da transmissão, desliguei a TV assim que o helicóptero que levou Ayrton para o hospital de Bolonha, alçou vôo. Estava confuso. Dali, fui perguntar ao meu pai o que estava acontecendo.
- Pai, o que aconteceu com o Senna?
- Ele sofreu um acidente filho e foi fazer alguns exames...
- Mas ele vai correr em Mônaco né? É a próxima corrida e ele sempre ganha lá.
Pude ver no semblante triste de meu pai, um grande fã do Ayrton, que algo não estava bem. E fiquei encucado com aquilo. Mas só por uns certos momentos, até eu ir para o quintal jogar futebol com o muro. Estava muito ansioso, pois naquela tarde, o meu Palmeiras jogaria contra o São Paulo.
Parei de jogar futebol e voltei para a sala, pois queria saber informações sobre o jogão daquela tarde. Ainda acompanhei o final de mais uma vitória do Schumacher e o abandono de Christian Fittipaldi, que estava em quarto, a poucas voltas do fim. Era quase hora do almoço. Naquele primeiro de Maio, não terminei de almoçar. Depois de muito choro, cai no sono. Nem me lembrei do jogo do Palmeiras e também não tive a oportunidade de ver as torcidas de Palmeiras e São Paulo homenageando o Senna. Acordei perto das sete horas, meio desnorteado, emputecido, triste, sei lá. Mas acordei também mais disposto do que nunca a repetir os passos de Ayrton Senna, sendo um piloto campeão da F1. Só revelaria isso ao meu pai, três meses depois.
Naquele domingo estranho, pouco se ouvia de barulho nas ruas, coisa rara em finais de semana. Estranhei o fato de minha família não estar muito disposta de almoçar na mesa da cozinha, como sempre faziamos. E eu, criança, adorei tudo isso, pois poderia comer assistindo TV e vendo a preparação do Verdão para o clássico das quatro da tarde. Mas depois daquele dia, passaria a odiar ter feito isso.
Todos em frente a TV, meu pai, também palmeirense, sintonizou na Bandeirantes, que passava uma matéria sobre o jogo. Mas ele estava mesmo era louco para saber como o Senna estava. Não demorou muito e veio a confirmação da notícia que ninguém queria ouvir. Em um fundo de tela preto, apareceu o rosto do tricampeão, sem locução de fundo, por um minuto.
- Pai, porque apareceu a foto do Senna? Ele não ganhou hoje - disse eu, rindo.
- Ele MORREU! - disse meu pai, de forma ríspida e triste.
O riso deu lugar a um choro incontrolável, um pouco pela forma que meu pai, que já tinha visto as mortes de pilotos como Gilles Villeneuve, Ronnie Peterson e outros, deu a notícia e muito pela notícia em si. Eu perdia ali, meu grande ídolo.
Após um minuto, Luciano do Valle entrou com a locução de fundo, dando os dados sobre o acidente e sobre os boletins médicos. Minha mãe, tentava me consolar. Meu pai, ainda com seu prato na mão, tentava controlar as lágrimas. E minha irmã, com quatro anos, não entendia muita coisa.
Não desgrudei da TV naquele resto de domingo, principalmente da Globo e do Fantástico.
Contudo, o pior estava por vir. Sem aula, por causa do luto oficial, acompanhei toda a chegada do corpo à Assembléia Legislativa de São Paulo, onde Senna foi velado. A comoção pública, foi algo que me deixou, e que me deixa até hoje, sem palavras. Foi muito duro ver o caixão com uma bandeira do Brasil, cobrindo-o e com o capacete amarelo em cima, sabendo que ali dentro seu ídolo seria enterrado e que eu nunca mais o veria com aquele capacete em um carro, vencendo corridas.
Até hoje me emociono ao lembrar daquele dia negro na história da F1.
Esse foi o meu relato sobre um dos dias mais tristes de minha vida. Me emocionei ao pensar, ao escrever e ao finalizar esse texto, que é a primeira parte de um especial, de uma semana, sobre os 15 anos da morte de Ayrton Senna da Silva. Fiquem ligados, pois tem mais.
1 comentários:
Foi muito triste mesmo este 1º de maio de 1994. Diego, esta sensação estranha que você teve no dia da corrida, eu estava tendo desde quando Senna se transferiu para a Williams. Sei lá, mesmo sendo aquele o melhor carro, não me sentia confortavel ver Ayrton naquela equipe. Ele foi e sempre será o melhor que o mundo já viu nas pistas.
Abração!
Leandro Montianele
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