"Não escondo aqui que meu piloto favorito na F1 é Lewis Hamilton. É o cara para quem mais torço. Mas existem outros dois pilotos no grid que adoro também, nada contra os outros. Kimi é um deles, ao lado de Kamui Kobayashi. Isso porque ambos trazem um ar diferente pra F1, um ar original, autêntico. São dois caras que não seguem o padrão de piloto playboyzinho. São dois personagens que não vivem nesse mundo de glamour. São eles mesmo, independente das circunstâncias. Por isso fiquei extremamente feliz com o pódio do japonês em sua corrida caseira. E por isso fico extremamente feliz com a vitória de Kimi hoje. Como seria bom seu houvesse mais Kimis e Kamuis".
O trecho reproduzido acima foi extraído do post de domingo, sobre a primeira vitória de Kimi Raikkönen em sua volta à F1. E serve para ilustrar bem porque admiro tanto o piloto finlandês, quanto o japonês Kamui Kobayashi. Achei que serviria de bom ponto de partida para falar desses dois pilotos, que tanto gosto, não apenas por aquilo que fazem nas pistas, mas fora delas também.
Vamos lá.
Kimi, o autêntico
Toda pessoa que se mete a gostar de algum esporte, geralmente é atraído por alguma personalidade do meio. No meu caso de amor com a F1, por exemplo, meu grande ídolo de infância foi Ayrton Senna, quando este corria pela McLaren e, posteriormente, em suas três provas pela Williams. Senna era o grande ídolo dos brasileiros no início dos anos 1990, e não poderia deixar de admirá-lo. Senti muito sua perda, em 1º de maio de 1994, mas não deixei de gostar da F1. Torcia pelos pilotos brasileiros, claro, mas deixei de me apegar a algum, preferindo torcer para equipes. McLaren, Williams e Sauber sempre foram minhas prediletas. Até que em 2001, surgiu um jovem finlandês na Sauber, de nome Kimi Raikkönen. Rapaz de poucas palavras, de expressões contidas e de muito talento e velocidade.
Logo em sua estreia, ele me impressionou, ao terminar em sétimo no GP da Austrália. Sétimo lugar que viria a se tornar um sexto posto, com uma punição a Olivier Panis. E não fui só eu que fiquei impressionado com o desempenho do precoce finlandês, que pouca experiência tinha até aquele momento. Kimi seguiu impressionando naquela temporada. Teve dois quartos lugares (Áustria e Canadá), terminando o campeonato em décimo. O suficiente para despertar o interesse da McLaren, que o contratou para substituir seu compatriota e bicampeão Mika Hakkinen. Juntavam-se minha equipe favorita e aquele piloto que viria a ser meu favorito nos anos seguintes.
No time de Woking, vieram as pole positions, os pódios, as vitórias e as brigas diretas pelo título. Kimi foi vice-campeão em 2003 e em 2005, sendo derrotado por Michael Schumacher e Fernando Alonso, respectivamente. Alternou bons e maus momentos na McLaren, corridas brilhantes e apáticas, momentos de sorte e de azar (um desses momentos de azar aconteceu em Nurburgring, 2005, quando ele liderava a prova, no meio da disputa com Alonso, e acabou batendo na última volta, por conta da quebra de sua suspensão, e resultou em uma rachadura no meu violão, devidamente batizada de Raikkonen's crack), e deu a seus fãs momentos de alegria e de tristeza. Enfim, coisas de fã.
Porém, não era o desempenho de Kimi que mais chamava a atenção e sim seu jeito despojado, de não dou a mínima pra tudo isso. Coisas desse tipo causam certa admiração em jovens. São comportamentos que vemos em alguns rockstars, que permeiam nossos imaginários - não é a toa que o finlandês é fã deste estilo musical -. E eu, na época com 16, 17 anos e inclinado a esse clima de certa rebeldia, adorava. Kimi sempre fez o que queria, sem se preocupar, ou preocupando-se o mínimo possível com o que os outros pensariam. Um personagem que não se encaixa no perfil da F1 tão politicamente correta. Raikkönen era um Outsider.
Em 2007, deixei o finlandês de lado. Ele saiu da McLaren para a Ferrari, onde substituiu Michael Schumacher. Apesar de adorar muitas coisas da Itália, nunca fui um grande entusiasta do time vermelho. Respeito e às vezes até gosto deles, pela história que têm. Mas a escuderia não causa em mim o mesmo impacto que os três times que já citei. E pra completar, apareceu Lewis Hamilton, um jovem abusado e arrojado, negro como eu, para se tornar meu piloto favorito. Contudo, Kimi nunca deixou de ter minha simpatia. Por isso, não fiquei triste com a perda do título de Lewis logo em sua temporada de estreia na F1. Pelo contrário. Fiquei feliz, pois foi Kimi quem ganhou, em seu mundial de estreia pela Ferrari. E fiquei mais feliz em ver que, mesmo campeão mundial, mesmo realizando seu sonho, ele nada mudou. Continuou o mesmo Kimi de sempre, para alguns apático, para outros desinteressado, mas para mim genial.
Entretanto, em Maranelo, ele sofreu nos dois anos seguintes. Seu perfil caladão, reservado, não batia com o dos italianos, pessoas passionais demais. As dificuldades vieram e ele preferiu dar um chute na F1. Foi para o WRC. Eu vibrei. Vibrei porque ele desembarcaria em uma de minhas categorias prediletas. E porque não o veria, novamente, preso naquele mundinho fechado do circo. Nos ralis, ele poderia ser livre, em um ambiente bem mais leve e sem que ninguém o ficasse julgando. Foram dois anos (2010 e 2011) legais acompanhando essa nova empreitada do finlandês. Difícil para ele, que não conseguiu resultados tão expressivos. Mas muito prazerosa, imagino. Nesses devaneios ele até tentou a sorte em uma prova da Nascar, e não fez feio. Isso mostrava que ele sentia falta das competições em circuitos fechados. E foi um de seus argumentos para voltar à F1.
Em 2012, em desembarcou na Lotus, sob desconfiança, claro. Como ele voltaria, depois de dois anos fora. Michael Schumacher dava o exemplo, e não ia bem. Como Kimi se comportaria? O finlandês deu a resposta. E bem ao seu estilo. Sem se importar com ninguém, Raikkönen tem feito o dele. É o piloto mais consistente do ano, tendo completado todas as provas, sendo que apenas uma delas, na China, fora da zona de pontos. Tinha conseguido voltar ao pódio e nesse domingo, voltou a vencer. Estupendo para alguém que volta a um mundo tão competitivo. Nem parecia que ele tinha saído. Adaptação? O que isso significa?
Kimi voltou. Voltou e muito bem. E voltou como ele mesmo. O velho e bom Kimi-Matias Raikkönen.
O arrojo de Kobayashi
Kimi deixava a F1 ao fim de 2009. E provavelmente, deixaria também o posto de piloto mais autêntico do grid em aberto. Mas tinha um japonês no meio do caminho. No meio do caminho tinha um japonês. Kamui Kobayashi caiu na F1 de paraquedas. Depois de participar do primeiro treino livre para o GP do Japão de 2009 pela Toyota, empresa que bancara sua carreira, ele foi alçado a condição de titular do time na prova seguinte, no Brasil. Isso porque na prova de classificação em Suzuka, o titular Timo Glock bateu e fraturou a perna, ficando impedido de participar das duas etapas restantes. Chance de ouro para um piloto que ainda não tinha resultados tão expressivos, apesar de algumas vitórias na GP2 e o título da série asiática da categoria. E ele não desperdiçou.
Correndo em Interlagos, o japinha deu show. E virei fã instantaneamente dele. Combativo e arrojado, ele fez a alegria da galera ao batalhar com o então campeão mundial Jenson Button de maneira limpa e leal, dando muito trabalho ao inglês. Terminou em nono aquela prova e deixou muita gente animada. De onde tinha vindo este ser? Na prova seguinte, em Abu Dhabi, mais um show e novas batalhas com Button. E também seus primeiros pontos na categoria, com um belo sexto lugar. A popularidade do aguerrido nipônico aumentava e ele parecia garantir um lugar em um dos carros da Toyota em 2010, já que o time parecia insatisfeito com sua dupla.
Mas aí, veio a notícia. Os japoneses deixariam a categoria, por conta da falta de resultados. E assim Kobayashi não teria onde correr em 2010. Ficaria à pé. Um pecado. Mas o pecado não foi cometido. Isso porque Petter Sauber, e seu olhar clínico para detectar bons valores não deixou. Precisando de pilotos para guiarem a Sauber, que também era abandonada pela BMW, ele viu em Kamui uma boa promessa. E não e decepcionou. Após um começo devagar, Koba acordou a partir do GP da Europa. Em uma corrida brilhante com um carro limitado, ele terminou em sétimo, depois de andar quase que toda a etapa em terceiro. No fim, precisou cumprir a regra e parou para a troca de pneus. Mas ainda assim, na última volta, passou por Sebastien Buemi e por Fernando Alonso, este na última curva, para garantir o resultado.
No decorrer da temporada, mais alguns bons resultados e ele superou Pedro de la Rosa e Nick Heidfeld, seus companheiros, no fim. Garantiu seu lugar na equipe em 2011. E garantiu também mais algumas coisas. Em diversas corridas ele demonstrou seu arrojo com ultrapassagens brilhantes e muita combatividade. Por isso, acabou ganhando o apelido de MITO, o que é um grande feito. Desde que me entendo por gente, os japoneses sempre foram motivo de chacota na F1. E alguns deles deram razão para isso, por conta de suas barbeiragens nas pistas mundo afora. Kobayashi, por sua vez, não parecia ser desse grupo, apesar de ser meio maluco.
No entanto, além de se mostrar um bom piloto, Kobayashi demonstrou outras qualidades. Sua simpatia e bom humor são duas delas, e fizeram com que muitos torcedores simpatizassem com ele. É quase impossível não rir com as expressões de Kamui, com seu jeito de falar, com suas entrevistas. O figura parece até o mestre Yoda, de Star Wars, falando. E como todo bom japonês, ao falar em inglês, troca o R pelo L, o que causa momentos hilários. Basta ver seu "Race" mudando para "Lace". Não há como não rir. É um dos caras mais carismáticos do grid. Totalmente despojado, leve. E vem se mostrando um bom piloto, acima de tudo.
Na temporada passada, com Sergio Perez como companheiro, Kamui seguiu evoluindo. A Sauber tinha um bom carro e ele conseguiu uma bela sequencia de resultados na zona de pontos. Mas os investimentos limitados fizeram com que o carro desse uma estacionada e ele só conseguiu repetir o 12º lugar geral ao fim da temporada. Neste ano, as coisas têm sido mais difíceis e ele tem sido superado em pontos pelo mexicano, apesar de ser mais constante. Contudo, Koba nos proporcionou um dos mais belos momentos do ano. Seu terceiro lugar no GP do Japão, seu primeiro e até agora único na carreira, foi sensacional. Ver toda a idolatria do povo japonês para com ele, foi emocionante. Os torcedores gritando Kamui quando ele subiu ao pódio, foi imensamente prazeroso. Ver os adversários de pista lhe cumprimentando, foi divino. E ver sua falta de costume no pódio, foi fantástico. O cara merecia. Muito.
Koba não tem lugar garantido na temporada 2013. Uma pena. Mas espero vê-lo guiando. E por um time bom.
Tem como não gostar desses figuras?
Sim, é claro. Ainda vejo muitas pessoas torcendo o nariz para Kimi e para Kamui. Entretanto, penso que essas duas figuras são duas das melhores coisas da F1 atual. Ambos trazem uma imagem mais despojada e menos engomada dos pilotos. Tanto o finlandês quanto o japonês são naturais. Não fingem isso ou aquilo. Fazem aquilo o que sentem, o que acham certo. Cada um a sua maneira. Raikkönen, grande piloto, um dos melhores do grid e já no rol dos melhores da história, é mais calado, parece não estar nem aí para muita coisa. E nos proporciona pérolas como as ouvidas na corrida de domingo, pedindo que o seu engenheiro o 'deixasse em paz, pois ele sabia o que estava fazendo'. Já Kobayashi, bom piloto, jovem, agressivo na pista e muito guerreiro, com um longo caminho a percorrer, tem um jeitão desleixado, meio fora do ar, e que também nos proporciona momentos únicos como o convite à uma repórter para a festa pós GP do Japão. Dois personagens de personalidades contrastantes e mesmo assim, tão parecidos. Impares no meio do glamour da F1.
Conversava isso com minha amiga Luane Magalhães, do Blog Octeto, e ela me alertou para que Kimi e Kamui são queridos pois representam o povo. E concordo. Ambos tiveram dificuldades para chegar onde chegaram. A família de Raikkönen passou dificuldades para realizar o sonho do menino em ser piloto. Não tinham sequer um banheiro dentro de casa. O que utilizavam, ficava non quintal. Já Kobayashi quase desistiu da carreira. Após ficar sem dinheiro, teve de ir vender sushi no restaurante da família. Por isso creio que ambos dão valor a esses momentos. São dois grandes exemplos. E são, repito, duas das melhores coisas da F1 atual.
Fotos: GPUpdate.net
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